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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Bancada Cristã: o prazer de oprimir em nome de deus - por Pastor Zé Barbosa Jr

A criação da “Bancada Cristã” na Câmara dos Deputados expõe o avanço da teocracia disfarçada de democracia e transforma a laicidade do Estado brasileiro em motivo de piada divina.

Jesus multiplicou pães e peixes. Os novos apóstolos da política brasileira, no entanto, parecem mais interessados em multiplicar cargos, verbas e microfones. Ontem, 22 de outubro, a Câmara dos Deputados aprovou em regime de urgência — como quem teme que o bom senso acorde a tempo — o Projeto de Resolução 71/25, que cria oficialmente a chamada Bancada Cristã. Sim, você leu certo: uma bancada confessional dentro de um Estado que, em tese, é laico.

A justificativa apresentada soa piedosa: “a Constituição garante a liberdade de manifestação da fé em todas as suas formas”. Bonito, não? Mas, como todo sermão político travestido de virtude, o diabo mora nos detalhes. A tal “bancada” quer ter direito a voz e voto nas reuniões de líderes partidários e ainda poderá falar toda semana no plenário. Um púlpito permanente pago com dinheiro público — o novo templo da República, com ar-condicionado e café gratuito (servido por negros e mulheres, claro!).

Não é de hoje que certos parlamentares descobriram que invocar o nome de Deus rende mais do que emendas parlamentares. O problema é que, por trás da aura devocional, o que se vê é a tentativa escancarada de transformar a fé em instrumento de poder político. Sob o pretexto de “defender valores cristãos”, o que realmente se defende é a influência de grupos religiosos organizados sobre o Estado — uma espécie de teocracia soft, com bancada, crachá e assessoria de imprensa que não tem outro objetivo senão dominar e oprimir grupos minoritários, especialmente religiões de matrizes africanas, feministas e LGBTQIAPN+.

Os mesmos que agora clamam por liberdade religiosa são os que, há anos, trabalham ativamente para restringir a liberdade de todos os que não se enquadram na moral oficial do “cristianismo de gabinete”. Querem decidir quem pode amar, quem pode abortar, quem pode existir — e tudo isso em nome de um Deus que, ironicamente, pregava amor, compaixão e tolerância.

O princípio da laicidade do Estado brasileiro está na UTI, respirando por aparelhos. E cada vez que um deputado sobe à tribuna para confundir fé com política, a saturação de oxigênio da democracia cai um pouco mais. A criação da Bancada Cristã é apenas o mais recente episódio dessa lenta agonia.

Ser laico não é ser contra a fé; é ser contra o monopólio da fé. Um Estado verdadeiramente laico protege todas as crenças — inclusive o direito de não crer. Mas o que estamos vendo é o contrário: a tentativa de transformar o Parlamento num púlpito, e o Congresso num concílio ecumênico improvisado. A partir de agora, ao lado da Bancada do Boi, da Bala e da Bíblia, teremos a Bancada da Cruz — pronta para crucificar a laicidade e ressuscitar o obscurantismo político.

A ironia é que os mesmos parlamentares que juram defender a Constituição parecem ignorar que ela proíbe exatamente esse tipo de mistura entre religião e Estado. Mas, para alguns, o texto constitucional é apenas um livro menor — o Novo Testamento do poder é o regimento interno da Câmara, reescrito conforme a conveniência de cada “revelação”.

E é assim que, enquanto hospitais públicos sofrem com falta de remédios, escolas caem aos pedaços e o salário mínimo mal paga o dízimo da inflação, nossos representantes discutem como institucionalizar o uso do nome de Deus nas disputas pelo poder. É a velha política com roupagem celestial — uma teologia de resultados.

O mais curioso é que essa bancada, que se diz “cristã”, raramente se mobiliza por causas que Jesus provavelmente defenderia: os pobres, os famintos, os presos, os estrangeiros. Ao contrário, seus projetos mais famosos envolvem censurar livros, perseguir artistas, revogar direitos e controlar corpos. É o Evangelho segundo o poder, com capítulos sobre moralidade seletiva e versículos sobre como garantir verbas para “eventos de fé” em ano eleitoral.

O discurso da moral serve de cortina de fumaça para o projeto real: o domínio simbólico e político de um segmento religioso sobre o conjunto da sociedade. Um projeto que, se fosse honestamente declarado, se chamaria Bancada dos Costumes, da Censura e do Controle, CCC (isso lembra alguma coisa?).

É preciso dizer em alto e bom som: essa “Bancada Cristã” não defende a fé, defende privilégios. Não representa Deus, representa interesses. E, sobretudo, não fala em nome de todos os cristãos — porque há muitos, muitíssimos, que creem em um Cristo libertador, inclusivo e avesso ao poder.

O que está em jogo aqui é o próprio coração da democracia. Um país que permite que a fé de alguns se torne a lei de todos está abrindo as portas não para o Reino dos Céus, mas para o inferno da intolerância institucionalizada. A fé é um ato íntimo; o poder, um pacto público. Misturá-los é o tipo de milagre que sempre termina em tragédia.

Porque, no fim das contas, Deus não precisa de bancada. Mas o povo precisa de um Congresso que funcione. E isso, convenhamos, seria o verdadeiro milagre.







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