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terça-feira, 21 de outubro de 2025

Sou crente e de esquerda! Resposta a Malafaia – por pastor Zé Barbosa Jr

O evangelho de Jesus, o pobre de Nazaré, continua sendo o mesmo: escandalosamente serviçal, perigosamente compassivo e, para desespero de alguns pastores, terrivelmente humano.

O empresário da fé Silas Malafaia acordou mais uma vez com o “espírito santo” em modo “influencer” e resolveu dar seu veredito teológico sobre política: segundo ele, é impossível um cristão ser de esquerda e apoiar Lula. Ora, se a Bíblia fosse um aplicativo, Malafaia já teria feito login com conta Premium, bloqueado Jesus por “conteúdo comunista” e seguido apenas os profetas do mercado financeiro.

O evangelho de Malafaia é um Evangelho à la carte, servido conforme o gosto do freguês — desde que o freguês seja empresário, temente ao livre mercado e fã de armas. Mas, se tirarmos o verniz da retórica, o que sobra é o velho truque dos fariseus: usar o nome de Deus para legitimar o poder, e não para libertar os oprimidos.

Mas vamos ao texto bíblico, sagrado para os cristãos, porque é sempre bom lembrar o que realmente está escrito — não o que se grita no púlpito. Em Mateus 25.35-45, Jesus define quem herdará o Reino dos Céus:

“Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me acolhestes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me.”

Quando os justos perguntam “Senhor, quando fizemos isso?”, Ele responde:

“Sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.”

Perceba: Jesus não perguntou em quem votaram, se eram da direita, do centrão ou da esquerda. O critério do julgamento final não é a ideologia, é a prática da compaixão. No evangelho de Mateus, a salvação não vem por repetir “glória a Deus” em rede nacional, mas por matar a fome de quem tem fome.

Agora responda de forma honesta: quais governos procuram matar a fome (programas de segurança alimentar), matar a sede (saneamento básico e dignidade), acolher estrangeiros, vestir pessoas nuas (dar casa, dignidade, condições de vida), cuidar de enfermos (saúde pública acessível a todas as pessoas – e viva o SUS) e cuidar dos presos (sim, para o evangelho, uma política de segurança pública jamais seria do tipo “bandido bom é bandido morto, mas uma possibilidade de recomeços)? Com base em nossa história mais recente: você enxerga esses traços do Evangelho nos governos de Lula ou no desastre humanitário de Bolsonaro e sua bancada evangélica de bolso?

E aqui está o ponto em que Malafaia tropeça no próprio salto “teológico”: se o critério de Cristo é cuidar dos pobres, acolher os estrangeiros, visitar os presos e lutar por justiça, então, convenhamos, a agenda do Reino tem mais cara de pastoral social do que de mercado de capitais. Mas, para Malafaia e seus colegas de púlpito corporativo, justiça virou palavrão, e pobre virou estatística. Seu Cristo é um CEO celestial, interessado em “empreendedores do Reino” e “influencers da fé”.

Chamar Lula de “inimigo da família” é uma ironia quase bíblica. Afinal, qual família Jesus protegeu? A do poder romano? Não. A dos fariseus? Também não. Jesus defendeu as famílias desfeitas pela miséria, as mães sozinhas, os filhos rejeitados, os leprosos expulsos. Ele foi o primeiro a dizer, com o gesto e não com o grito, que o amor é revolucionário.

Enquanto Malafaia faz lives prometendo prosperidade a quem semear na conta bancária da igreja, o Evangelho semeia pão entre os famintos. Enquanto ele clama por “valores cristãos”, o Cristo de Mateus está preocupado com valores humanos.

A verdade é que o discurso de Malafaia tem menos Bíblia e mais marketing. O problema não é o cristão ser de esquerda — é ser de Cristo de fato, porque isso implica partilhar, dividir, perdoar e, sobretudo, confrontar os poderosos. Jesus não foi crucificado por distribuir cesta básica, mas por ameaçar a ordem dos que se achavam donos de Deus.

O discurso de Malafaia, além de teologicamente raso, é politicamente perverso. Ele tenta sequestrar a fé e transformá-la em instrumento de medo. Fala em “pátria” como se o Evangelho fosse um documento de identidade nacional. Mas Jesus nunca jurou amor a qualquer bandeira — ao contrário, confrontou o Império Romano e anunciou um Reino onde os últimos seriam os primeiros. Por sinal, o único milagre que envolveu multiplicação foi o do pão, não o do patrimônio.

Então, quando o empresário da fé diz que um cristão não pode apoiar Lula, ele talvez tenha razão em um sentido involuntário: o cristão que ele tem em mente é aquele domesticado, que bate continência para o rei Herodes/Trump e vota com o Império. Mas o cristão de Mateus 25 — o do Evangelho vivo, que põe a mão na ferida e o pão na mesa — esse, com toda certeza, anda bem mais à esquerda do que o palanque dourado de Silas Malafaia poderia suportar.

No fim das contas, o problema de Malafaia não é com a esquerda — é com o Cristo que ela insiste em lembrar. Talvez o que incomode tanto o falso profeta seja o simples fato de que, para Jesus, o verdadeiro poder está no serviço, e não no microfone. Porque, no fundo, o Evangelho não é de direita nem de esquerda: É de baixo — do chão onde os pobres caminham, onde os excluídos sobrevivem, onde Deus planta sua esperança.

E, convenhamos, se Jesus voltasse hoje pregando o que pregava há dois mil anos — partilha, solidariedade, amor aos inimigos e desconfiança dos ricos — Malafaia o chamaria de comunista. E ainda gravaria um vídeo histriônico no YouTube dizendo que Ele tem “espírito de engano”.

O evangelho de Jesus, o pobre de Nazaré, continua sendo o mesmo: escandalosamente serviçal, perigosamente compassivo e, para desespero de alguns pastores, terrivelmente humano. E, justamente por isso, poderoso e subversivo. Esse é o Evangelho que creio, bem diferente da caricatura capitalista e moralista de Malafaia. Graças a Deus! 





















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