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domingo, 24 de fevereiro de 2019

TRAGÉDIA NÃO É O NOME

                                       
                                        ( OPINÃO ) 
                                         Tragédia
 Essa parece ser a palavra que tomou conta das conversas em rodas de bar, nas filas dos supermercados, nas ruas, nos pontos de ônibus e em qualquer lugar onde se aglomerem pessoas para conversar no Brasil. A sucessão de eventos catastróficos no país vai dando a conhecer aos brasileiros que aqui não é exatamente a terra de nosso senhor, como escreveu Ary Barroso, mas, sim, o lugar das tragédias, do desastre inevitável, do terrível destino.

A execução de Marielle Franco no ano passado, o incêndio do museu nacional, o estouro da barragem em Brumadinho, os meninos sufocados e carbonizados no Ninho do Urubu, tudo isso parece confirmar que a palavra tragédia veio para ficar nas bocas. A esses eventos, somem-se a queda do helicóptero onde voava o jornalista Boechat e o assassinato de treze jovens no morro do Fallet no Rio de Janeiro nesta semana, bem como tantos mais outros acontecimentos parecidos e menos notórios que acontecem todos os dias no Brasil, em maior ou menor grau, e que atingem pessoas anônimas tocando suas vidas diárias.

No entanto, se a palavra “tragédia” pegou para nomear esses e outros acontecimentos, essa noção não é apropriada para explicá-los. Observe bem o leitor que essa palavra tem origem na Grécia antiga, onde eram encenadas peças nas quais os personagens estavam como que presos inexoravelmente aos seus destinos. Assim, a palavra “tragédia” traz consigo a ideia de algo que não poderia ser evitado. E, de todos esses eventos listados acima, qual deles pode ser de fato considerado como inevitável?

Em Brumadinho, o restaurante da empresa, onde morreram dezenas de pessoas, foi colocado a jusante da barragem, e nos relatórios da Vale, todo o desenrolar do desastre estava previsto, até a quantidade de pessoas que poderiam morrer; o museu nacional não tinha nenhuma proteção contra incêndio, era frágil e fragilizado, e sua destruição era somente uma questão de tempo; o jornalista morreu em uma queda de helicóptero, cuja empresa não tinha autorização para levar passageiros; as instalações do centro de treinamento do Flamengo eram impróprias para acomodar pessoas; os jovens assassinados no morro do Rio foram vítimas de um Estado que parece ter perdido o controle da situação e agora vai legalizar o abate sumário de pessoas, com a lei anticrime do ministro Moro. Nada há nesses acontecimentos de inexorável e, portanto, nenhum deles pode ser estritamente chamado de trágico.

As sociedades humanas já foram um dia vítimas involuntárias da natureza e do acaso, e as tragédias gregas espelhavam esse estado de coisas. É a partir da filosofia grega, sobretudo aquela que nasceu com Sócrates, que a razão passa a funcionar como arrimo para domar as forças na natureza; e com ela, nasce o cálculo para prever os acontecimentos, a tentativa de fuga do destino inexorável e o nascimento do Estado moderno, racional, fiscalizador, organizador dos embates entre os indivíduos, punindo quem quebra as regras, prevenindo desastres, se desviando do martelo trágico do acaso natural.

Tudo isso somado, tudo isso dito, o que ocorreu nesses últimos meses não pode ser chamado de tragédia, pois tudo aquilo estava previsto, estava calculado. Foi desleixo, usura, ganância, desobediência das regras ditadas pela lei, foi crime, permitidos por um Estado desorganizado e leniente.

O Estado, como concebido por aquele que é considerado por muitos um liberal, Thomas Hobbes, tem como tarefa primeira a de evitar a guerra entre indivíduos que compõem uma sociedade. O Estado, no Brasil, pena para encontrar o caminho racional da promoção da cidadania que implique a pacificação da sociedade, dificuldades patentes nos eventos cotidianos neste país que ceifam vidas humanas e que destroem o patrimônio nacional.

*Jorge Waquim, filósofo pela Universidade Paris Nanterre. 

                               BLOG DO FRANÇA

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